51 - uma boa ideia?

15-04-2016 17:30

51 – UMA BOA IDEIA?

 

         Ao parar no farol, se deu conta que chorava. Era aquele choro contido, silencioso. Quando seu filho perguntou o motivo, fez apenas uma menção com a cabeça e não conseguiu dizer nada. Se falasse na certa ele não entenderia. Retornava do sepultamento de seu pai, vítima de uma cirrose hepática. O seu velho era agora apenas mais um número na estatística de cinco milhões e oitocentos mil dependentes de alcoolismo, somente no Brasil. Sentia um vazio, sentia doer em seu peito a verdade que ouviu quase a vida toda: “Agora que ele se foi é que sentiria realmente a sua falta”. Quantas lembranças! Quantas saudades daquele homem que olhava tudo com o coração. Nas festas da família era a grande atração e o seu prazer era fazer brindes para todos. Ninguém escapava das suas brincadeiras. A sua cultura era pouca, mas quando puxava a cadeira em volta da mesa do jantar, todos nós fazíamos silêncio para ouvir a sua oração. Não falava de Deus, falava sempre para ele e agradecia por nós. Tristes foram as suas mudanças depois que suas amarras foram desatreladas pelo vício. A partir daí não mais se embriagava da sua alegria contagiante, embebedava-se de bebidas que lhe tiraram a saúde e finalmente a vida. Vencido pelo vício esqueceu-se da própria estrada e aborrecer-se era a sua prática diária. Esforço em vão foi tentar leva-lo a fazer qualquer tipo de tratamento, pois não era submisso e em todas às vezes revelava a sua negação. O vício e a doença conspiraram para tirar suas forças e a sua saúde. Agora restavam somente as lembranças. Nada mais adiantava: as armas da batalha já haviam sido depostas. A sua ida havia se consumado. Será que ele, agora, já está junto a Deus? Se estiver na certa estará falando de nós, sem pressa, usando a lentidão do tempo do Senhor.  Instintivamente sentiu vontade de olhar em direção ao céu e quando o fez, suas lágrimas secaram imediatamente. Viu um grande luminoso piscando: CANINHA 51 – UMA BOA IDEIA. Boa ideia para que, pensou em voz alta? Para estar entre as quase treze pessoas em cada cem mil que morrem em todo mundo vítimas diretas do alcoolismo? Para contribuir com os acidentes de trânsito onde vinte e um por cento são associados diretamente ao álcool? Para morrer um pouco a cada dia, abdicando da família, dos amigos e das oportunidades? Não, realmente de boa ideia não tem nada. A saudade de seu pai era o seu maior argumento.

 

* Exercício de desconstrução de metáfora.