Exercício Agosto - Ensaio

21-09-2012 19:12

Decisão do STJ deverá orientar os tribunais inferiores no julgamento de casos que envolvam traficantes adolescentes. A corte seguiu à risca um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Pressupõe que, no lugar de internação, os juízes possam lançar mão de penas alternativas, como a liberdade assistida ou o trabalho voluntário – ambas de responsabilidade das prefeituras. Ocorre que, na maior parte do Brasil, essas penas não passam de ficção. Apesar de a lei oferecer essas opções, na vida real os juízes têm só duas escolhas: a internação ou a impunidade.

O que se sabe é que, se grande parte dos jovens que sofrem internação tornam-se profissionais do crime, as penas alternativas favorecem a impunidade. Pautadas por essa realidade, as discussões ficam mais acirradas quando alguns desses jovens infratores cometem um crime hediondo, como é o caso da comoção provocada pelo bárbaro assassinato do menino João Hélio no Rio de Janeiro. Muitas pessoas, inclusive do meio acadêmico, manifestaram-se a favor da reintrodução da pena de morte no Brasil, na contramão do que ocorre nos Estados Unidos, que vem abolindo essa prática em vários dos seus estados. Em nosso país, com leis deficitárias e instituições corrompidas, muitos absurdos e injustiças poderão ser cometidos em nome de uma pretensa ordem.

De qualquer forma, a emoção pode não ser boa conselheira nesses assuntos. Agir movido pela indignação ou pela raiva é muito perigoso. Assim procedendo, podemos dar tratamento desumano e degradante ao assunto, pois todos sabemos que os sistemas judiciais são propensos a falhas e sempre haverá o risco de uma decisão equivocada. Por outro lado, a excessiva centralização na razão pode gerar equívocos perigosos. Nesse sentido, a posição de um ministro da Suprema Corte, de que “é preferível um bandido solto a um inocente na cadeia” deve ser considerado sob dois ângulos. Se, de um lado, causa indignação vermos um inocente sendo punido injustamente, por outro lado, como imaginar o sentimento de uma mãe ao ver solto alguém que, ela acredita, seviciou sua filha? Será seguro para a sociedade, se, ao concedermos o benefício da dúvida por falta de prova material quando sobram indícios de culpa, deixarmos solto alguém que poderá pôr em risco a segurança de uma comunidade inteira?

 

Sobre o assunto é ilustrativa a notícia que sensibilizou o mundo e foi reproduzida pelo radialista Adauto Monteiro, locutor da Rádio Paraíso, na cidade Guarabira, interior Maranhão: no dia dois de maio de 1960, precisamente às dez horas e doze minutos pelo horário oficial de Brasília, acontecia a execução de Caaryl Chessman, o “bandido da luz vermelha”, condenado à morte pela câmara de gás no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Esse caso levou o mundo todo a repensar suas leis. Chessman, durante os 12 anos em que permaneceu no corredor da morte na prisão de San Quentin, estudou direito e fez sua própria defesa. Leu maisde dois mil livros, escreveu e publicou outros quatro, dos quais omais famoso, “2455 – Cela da Morte”, foi best seller no Brasil.Este e os outros seuslivros correram o mundo, deixando atônitos os leitores ao provocar diversos sentimentos, da pena à extrema raiva. Seu crime (brutalização de duas raparigas nos arredores de Hollywood) nunca foi comprovado e sua condenação baseou-se em provas circunstanciais alimentadas por um passado fértil em transgressões à lei, na confissão supostamente extorquida e no grito da multidão sedenta de vingança.

O indivíduo deve responder por seus crimes, não importa sua idade. Mas há que se fazer e cumprir leis que não firam a dignidade humana. A vida humana não é um acaso. Matar é impedir que ela se desenvolva. É uma falsa solução para um problema real como a criminalidade. Fazer justiça com as próprias mãos nos reporta ao Código de Hamurabi, no reino da Babilônia de 1780 a.C., “olho por olho, dente por dente”, fórmula cruel e bárbara que descreve melhor a vingança do que a necessidade de punir. Na Epístola de Pedro I-4.8encontramos “o amor cobre uma multidão de pecados”. Essa passagem nos ensina sobre a lei da reparação através da prática do bem, possibilitando ao condenado que pague suas dívidas de maneira a se reerguer e tornar-se sendo útil à sociedade e a si mesmo. Uma frase atribuída a Gandhi diz que “o olho por olho torna o mundo mais cego”.

Que os infratores possam ser responsabilizados por seus delitos por meio de penas alternativas, como a liberdade assistida, ou pela internação pura e simples. Mas que, em qualquer caso, o Estado crie e mantenha instituições fortes e competentes, gerindo de maneira eficaz os recursos que todo cidadão paga através dos tributos pesados.