Liberdade/bom senso

19-11-2015 15:29

Liberdade/bom senso

O mineirinho Alexandre Pires deixa as fãs enlouquecidas quando solta a voz chorosa: “o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade...”. Enlevada, vejo na minha tela mental a imagem de um lindo pássaro que alguém, condoído com sua condição de prisioneiro, faz a boa ação de soltá-lo para a natureza. Mas o enlevo acaba: o que ele fará agora, habituado que estava com a mordomia e o carinho com que seu tutor o cercava? Muito provavelmente morrerá na primeira voada rumo àquela liberdade sonhada por quem o vê de fora.

Então, cabe a pergunta: o que é liberdade?

Mesmo sem conceituá-la, nossa Carta Magna estabelece algumas liberdades, como de expressão, de manifestação religiosa, de imprensa... Aliás, nossa Constituição é rica em detalhes a respeito de nossos direitos e deveres, sobre os quais cada parlamentar e cada partido político tenta opinar a seu modo e interferir de acordo sua ideologia ou seus interesses particulares. Mas não é disso que queremos falar. Até porque nos faltam embasamentos teórico e factual.

Voltemos ao que nos interessa. Somos livres? Se o somos, em que medida? Em busca de respostas, só encontro dúvidas. Somos escravos da beleza, de um corpo sarado, do estômago, dos vícios, do trabalho, da luxúria, da internet, do esporte e de tantos outros modismos que surgem a cada momento. Até nosso pensamento é escravo de nossos medos e angústias.

Li certa vez que a liberdade total não existe. E que sua busca acaba sendo uma fonte de angústia: o homem sente-se solto no espaço, lembrando um feto sem o cordão umbilical a lhe dar segurança e norte.

Se a liberdade absoluta não existe, devemos relativizá-la. É isso que temos procurado fazer desde as mais remotas eras. À medida que foram tomando consciência de seu existir no mundo, nossos ancestrais começaram a se organizar, a criar leis e mecanismos de controle para que se estabelecesse a ordem, condição necessária à sobrevivência, mecanismos que foram se modificando ao londo dos tempos, para se adequar às novas realidades que surgiam. E assim chegamos ao conceito de que nossas liberdades individuais situam-se dentro dos limites das liberdades individuais do outro.

Pois bem. Se a liberdade é relativa e precisamos de mecanismos de controle para que cada um a exerça dentro dos limites da liberdade do outro, o instrumento regulador desse mecanismo chama-se bom senso. E, com isso, chegamos a um conceito novo, estreitamente ligado à noção de sabedoria, à capacidade intuitiva do ser humano de fazer a coisa certa, na hora certa.

Tenho pra mim que bom senso, como a sabedoria, é o conhecimento temperado pela experiência. Nesses tempos de conhecimento fácil, de informação pret-a-porter fornecida pelo nosso grande guru chamado Google, sobrará tempo para ouvirmos a voz da experiência, tempero necessário para dar vida e significado à informação? Pelo contrário, o que mais vemos é o consumo fácil da informação tal como ela nos chega, como se estivesse pronta para o consumo.

Assim é que hoje temos exemplos diários de pais que, já sem controle sobre seus filhos – rebeldes sem causa, vítimas dos modismos do meio em que vivem – delegam ao Estado a tomada de decisões, muitas vezes questionáveis, por acreditarem ser o melhor que podem fazer para seus filhos. Assim também é que vemos o contrassenso de jovens talentosos, estudiosos, pequenos inventores, serem relegados pela mídia, que, sedenta de ganho fácil, prefere investir em mitos que surgem como relâmpago fazendo apologia à violência, às drogas e ao sexo, porque ísso é o que vende, na sociedade consumista em que vivemos. O que fazer com a educação desses filhos?  Esses mesmos filhos que passam horas nas filas para ver seus ídolos, mas que perdem a hora para as aulas. Que desrespeitam as leis no trânsito, que quebram as regras com a desculpa de estão em uma democracia, sem nem saber o que isso possa significar.  Confundem liberdade com licenciosidade.  Cadê o bom senso?

Falamos de jovens, falemos de idosos que, em qualquer país civilizado, deveriam ser tratados com respeito, até porque é neles que habita a experiência, segundo vértice da sebedoria. Em terras tupiniquins, a falta de educação como fonte de cultura exigiu a criação de um estatuto, transformando em lei o que deveria ser naturalmente aceito. Já que a educação não o fez, a lei define procedimentos que os protegem, inclusive do abandono a que são relegados por seus próprios descendentes. Uma proteção que os aproxima da infantilização.

Assim, vemos crianças serem tratadas como adultos precoces, e idosos infantilizados, ostentando alguns comportamentos ridículos. Ambos abusam em certas situações, desobedecem às leis, gritam e ofendem funcionários, como se estes fossem seus criados e eles, donos do mundo. Assim como temos crianças que abusam de penduricalhos e de maquiagem, jovens que se fantasiam de acordo com suas tribos, temos também idosas que se vestem e se comportam de maneira inadequada, próxima do ridículo. “Eu posso tudo, dizem.”

Não, não podem tudo. A sociedade estabelece regras, e cumpri-las é dever de cada um. Qualquer cidadão deve aprender desde cedo seu lugar no mundo em que vive. Todos estamos no mesmo barco e o mesmo vento que apaga a vela atiça a fogueira. Pensemos nisso sem o xiismo do politicamente correto, mas respeitando o ir e vir de todos. Diz Paulo de Tarso, em uma de suas cartas: “TODAS AS COISAS ME SÃO LÍCITAS; MAS NEM TODAS ME CONVÊM”.   Isso se chama bom senso.