Não deixe para amanhã

30-07-2016 16:52

*NÃO DEIXE PARA AMANHÃ...

 

Ele sentiu que já estava na hora de voltar. Tomou esta decisão, tantas vezes ensaiadas, ao ouvir que seu pai permanecia todas as tardes a espreita, debruçado sobre aquela janela que lhe proporcionava a visão da rua. Quando perguntado do porque permanecia tanto tempo naquele local, dizia somente que esperava pelo filho que há tanto tempo havia partido. Agora, com o seu retorno, queria desfazer muitas coisas que havia acontecido em sua vida e a primeira era fazer uma reconciliação com seu pai. Foram coisas bobas que o levaram a partir. Não quis levar nenhuma riqueza porque sabia que a sua mochila levava todo o amor daquele velho que o vira pôr-se a caminho, sem destino determinado. E mais infantil ainda, a sua atitude em não atender a todos os convites feitos por ele, para encontra-lo nas festas de natal, nos almoços da páscoa, nas datas em que nada tinham para comemorar. Seria apenas para festejar a sua volta. Todos esses anos foram vividos de saudades daquele velho, que o seu bobo orgulho não lhe deixou ver. Mas agora queria voltar atrás e refazer tudo. Restaurar as coisas a partir de uma data, como se o tempo não tivesse passado, como se a porta que havia permanecido aberta depois de sua saída, nunca houvesse sido fechada. Iria desfazer o mal entendido, o ato impensado, aquela atitude ruim. Sabia que tudo isso aconteceu porque o tempo deixou que acontecesse, porque os erros foram permitidos, principalmente porque ele tinha certeza que mesmo assim, o dia de hoje chegaria. Agora voltava e iria mostrar ao seu pai que poderiam retomar tudo. Levava também sua esposa e seu filho que ele não conhecia. Não iria avisa-lo. Queria lhe fazer surpresa e ser surpreendido por aquele sorriso largo, por aquele abraço apertado que somente ele sabia dar. Quando chegou ao portão, viu a silhueta estampada atrás das cortinas colocadas sobre a janela aberta. Usou as mesmas chaves para abrir o portão e vagarosamente chegou até a porta. Não queria assusta-lo. Abriu a porta e sorrateiramente foi chegando à poltrona. Já saboreava aquele sorriso farto que seu pai abriria quando o visse novamente. Quando o tocou pelas costas, seu corpo arqueou. Seus olhos haviam se fechado para sempre. Ainda tinha nas mãos a fotografia do filho que o tempo amarelou e o manuseio puiu. Somente o seu próprio sorriso estampado naquele retrato o recebeu. Entendeu que seu pai havia abdicado da espera. Preferiu morrer de amor.