O cão Achado - Personagens e Narrativas

18-07-2013 15:09

Cipriano Algor:  É um senhor de meia idade, semblante simpático, com traços austeros e vincados. Aparenta ser mais velho do que é. Imponente, sua estatura ultrapassa um metro e oitenta, anda com passos largos, o que denota segurança e altivez. Seu cabelo já é grisalho, e seu olhar melancólico demonstra um sentimento de sofrimento e dor. Está viúvo faz um certo tempo e, no momento, desempregado. Seus, porém, se abrandam quando olha para sua filha, ocultando a amargura que lhe vai no coração, para não aumentar a infelicidade dela. Talvez, essa dor fique mais suportável quando se relaciona com seu novo amigo, um cão que encontrou ao chegar em Lisboa. Cipriano parece um cipreste velho, que, mesmo com galhos flexionados em direção ao solo, se apruma e se alteia, sem se curvar pelo peso da neve que sobre ele se acumula, com a chegada de mais um inverno. 

 

Marta:  A filha de Cipriano é jovem e bonita. Com quase vinte anos, tem cabelos castanhos, lisos e compridos, emoldurando um rosto de feições mimosas. Seus olhos cor de mel vivem, atualmente, sombreados de tristeza. Eles ficam mais melancólicos quando não consegue reter as lágrimas, que tenta esconder quando está na presença do pai. Até pouco tempo, cursava a faculdade de Arquitetura, escolhida por gostar muito de desenhar. Cuida da casa e do pai, desde que sua mãe faleceu. quando era adolescente. Teve um namorado, quando morava na Ilha, mas romperam antes da mudança para Lisboa. Não o viu desde então.  Às vezes, Marta parece uma mártir assustada e indefesa, um pequeno animal acuado, sendo levado para o sacrifício, amassando com os pés as folhas secas de um prolongado outono.

 

A história de Cipriano e Marta

 

Com vinte e cinco anos, Cipriano era um adulto bem sucedido. Formara-se em Engenharia, numa das mais conceituadas faculdades de Lisboa, e, mesmo sem muita experiência, fora admitido numa construtora especializada em projetar mansões para gente graúda, e construí-las numa ilha de veraneio, na mais nobre região do litoral português: o Algarve. 

No ano seguinte  ao da formatura, casara-se com uma formosa donzela, e foram morar na Ilha, numa linda casa à beira-mar. Sua felicidade se completara com o nascimento de Marta. A alegria e a prosperidade se hospedaram em sua casa por vários anos. 

Perdeu sua amada esposa, quando Marta completou quinze anos, vítima de uma epidemia de gripe que assolou a Europa.

Alguns anos se passaram, até que Portugal mergulhou numa crise econômica que repercutiu na sociedade em geral. A construtora onde trabalhava sentiu o grande golpe da recessão. As construções no balneário ficaram inviáveis e a firma faliu. Cipriano, com quarenta e oito anos de idade, ficou desempregado, vendeu o carro e a casa e se mudou para Lisboa, onde teria mais chances de iniciar uma nova vida. Sua filha abandonou os estudos.

A única coisa boa que aconteceu foi uma ocorrência um tanto curiosa: "acharam" um cão sem dono, assim que desembarcaram do navio, há exatamente vinte dias. Pensaram em escolher um nome para ele, mas os dias se passaram e ele ficou mesmo com o nome provisório: Cão Achado.

 

Cão Achado: É um belo exemplar da raça Rafeiro-do-Alentejo, muito comum na região central de Portugal, e se assemelha a um São Bernardo. Tem porte avantajado, seu pelo é curto, nas cores branco e amarelo amarronzado. Sua grande cabeça mostra orelhas altas e tombadas; olhos pequenos, marrom escuro; nariz preto, com narinas largas e abertas. Sua ossatura e musculatura são fortes, suas patas são largas e a cauda é pesada e longa. Vigoroso e solto nos movimentos, tem andadura pesada, mas não atabalhoada. De expressão bonachona, seu temperamento é meigo. A vida do Cão Achado nem sempre foi fácil,, embora se encontre em plena juventude. Atualmente, seu dono é Cipriano, que o trata como membro da família, mas Marta vive sempre ensimesmada e mal nota sua presença. Em seu novo lar, o Cão Achado parece um urso que saiu da hibernação e tem pela frente um período de sol e calor para alegrar sua vida, numa radiante primavera. 

 

A curiosa história do Cão Achado

 

O primeiro dono do Cão Achado, até que o tratava bem! Morava sozinho e ficava ausente boa parte do tempo. Dividia com ele a comida que conseguia comprar.

De repente, seu dono começou a ficar em casa, tornando-se calado e taciturno. Nem ligava mais para o Cão, que se acostumara a alguma demonstração de afeto. Um dia, ao sair da casa, enxotou o Cão para fora, trancou a porta e afastou-se do local. Ao tomar a direção do cais do porto, o Cão o seguiu, mas, quando o rapaz percebeu, abaixou-se e disee secamente: - Procure outro dono, estou de partida para o Brasil, atrás de melhor sorte! Dirigiu-se, então, para um navio, onde entrou sem olhar para trás.

O Cão esperou que o dono voltasse, mas o navio partiu, enquanto ele o olhava, afastando-se até desaparecer no horizonte. Vagou, então, de um lado para o outro, mas ninguém notava sua presença.

Um outro navio atracou no lugar daquele que levara seu dono. Curioso, o Cão foi ver se seu dono descia dele. Foi nesse momento que reparo num senhor acompanhado de uma jovem. Carregavam malas. Encaminhavam-se para fora do porto, e o Cão começou a segui-los. Aproximava-se cada vez mais, até que encostou sua cabeça na mão do homem, que pendia ao longo do corpo. O homem não se assustou, pelo contrário, mexeu seus dedos

num afago breve e casual. 

Quando chegaram defronte a uma pequena casa, o homem abriu o portão, e,olhando para o Cão, fez um sinal como se o chamasse. Surpreso com o fato inesperado, o Cão, sem perder tempo, não se fez de rogado e correu, rápido, para dentro. Escutou quando o homem disse, brincalhão: - Caramba! Mal chegamos e já achamos um novo amigo!

O Cão encontrou um novo lar e ganhou um novo nome. Seus donos o chamavam de Cão Achado.

 

Uma nova perspectiva

O destino traça, com cuidado, encontros e desencontros. Nada acontece por acaso, nessa vida de alegrias e sofrimentos. A presença do novo membro da família dá um novo alento a Cipriano. 

A oportunidade de emprego que lhe é oferecida mantêm ambos, ele e a filha, ocupados na elaboração do projeto. A habilidade de Marta em desenho, e suas ideias sobre paisagismo, aliviam muito sua tarefa. Ele compra uma furgoneta para se deslocar de cá para lá com mais agilidade, e espera, ansioso, o dia da entrega do sobrescrito.

O companheirismo do Cão Achado e a solicitude de Marta fazem com que Cipriano caminhe de braços dados com a esperança. O futuro se descortina, apresentando à família uma nova paisagem: o sol aparece para ficar, e a atmosfera amorosa do verão, vem aquecer os seus corações.