O caso do vestido
CASO DO VESTIDO
Nos filmes e séries de TV assistimos a adaptações de grandes obras de renomados autores, que nos revelam o comportamento das famílias tradicionais brasileiras. Não só dos senhores de engenho e dos grandes cafeicultores do interior paulista, com seus escravos, mas da forma de vida da sociedade em geral até meados do século passado.
As histórias dessa sociedade, tradicionalista e patriarcal, nos revelam a verdade rígida de um comportamento da brutalidade masculina e total submissão feminina. No poema Caso do Vestido, Drummond evidencia esse machismo exacerbado na sociedade patriarcal de um possível cotidiano da infância do autor.
Chamam a atenção os pronomes na segunda pessoa, tratamento cerimonioso e arcaico, distanciando os interlocutores na conversa em que, questionada, a mãe narra às filhas a paixão do pai das pequenas por outra mulher, colocando-se numa posição submissa diante da humilhante traição.
Ao falar sobre a outra, a mãe a chama de dona, mulher do demo, a amante, pecadora, a quem caberia o papel de satisfazer os caprichos sexuais de seu marido. De si, dizia de sua redução existencial a um papel familiar de total negação, mas a morte não chegava...
A mãe, provedora sem direito à palavra, silenciosa em seu desejo, mostra para as filhas na figura do vestido a revolta, o padecimento do corpo a humilhação do abandono.
Na figura do vestido ela vê o próprio corpo e o da outra, ambos desprovidos da beleza física de outrora. Unidas pelo sofrimento diante da desigualdade de forças entre o homem e a mulher, seja ela mãe ou dona, mas sempre um objeto.
Na dor desse monólogo implora pelo consolo das filhas e, sem direito a explicação, calada, põe o prato à mesa.
Nesse poema narrativo, Drummond mostra não só a submissão e humilhação da mulher ao sufocar seus anseios, mas também um prazer silencioso na dor. O vestido na parede a faz lembrar-se constantemente de seu lugar como sofredora; ela meio que se alimenta desse sentimento de profunda melancolia na autopunição e autopiedade.
É uma maneira de se fazer presente na memória como um fantasma que vagueia e assusta na lembrança de todos. Ela necessita ser percebida, mesmo que na maneira mais cruel. E o vestido é seu passaporte para a dor que a mantém viva.
Drummond mostra em seus versos um conhecimento real sobre o assunto e evidencia o comportamento machista da época. Apresenta um quase pedido de desculpas pelos sofrimentos que poderia ter causado.
“......Chorei, chorei... até ficar com dó de mim...” Camarim-Chico Buarque.
“...logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro meus braços pra você...” Com açúcar e com afeto – Chico Buarque
Geni 11-05-2015