O caso do vestido

29-05-2015 16:56

CASO DO VESTIDO                                                  

 

Nos filmes e séries de TV assistimos a adaptações de grandes obras de renomados autores, que nos revelam o comportamento das famílias tradicionais brasileiras. Não só dos senhores de engenho e dos grandes cafeicultores do interior paulista, com seus escravos, mas da forma de vida da sociedade em geral até meados do século passado.

As histórias dessa sociedade, tradicionalista e patriarcal, nos revelam a verdade rígida de um comportamento da brutalidade masculina e total submissão feminina. No poema Caso do Vestido, Drummond evidencia esse machismo exacerbado na sociedade patriarcal de um possível cotidiano da infância do autor.

Chamam a atenção os pronomes na segunda pessoa, tratamento cerimonioso e arcaico, distanciando os interlocutores na conversa em que, questionada, a mãe narra às filhas a paixão do pai das pequenas por outra mulher, colocando-se numa posição submissa diante da humilhante traição.

Ao falar sobre a outra, a mãe a chama de dona, mulher do demo, a amante, pecadora, a quem caberia o papel de satisfazer os caprichos sexuais de seu marido. De si, dizia de sua redução existencial a um papel familiar de total negação, mas a morte não chegava...

A mãe, provedora sem direito à palavra, silenciosa em seu desejo, mostra para as filhas na figura do vestido a revolta, o padecimento do corpo a humilhação do abandono.

Na figura do vestido ela vê o próprio corpo e o da outra, ambos desprovidos da beleza física de outrora. Unidas pelo sofrimento diante da desigualdade de forças entre o homem e a mulher, seja ela mãe ou dona, mas sempre um objeto.

Na dor desse monólogo implora pelo consolo das filhas e, sem direito a explicação, calada, põe o prato à mesa.

Nesse poema narrativo, Drummond mostra não só a submissão e humilhação  da mulher ao sufocar seus anseios, mas também um prazer silencioso na dor. O vestido na parede a faz lembrar-se constantemente de seu lugar como sofredora; ela meio que se alimenta desse sentimento de profunda melancolia na autopunição e autopiedade.

É uma maneira de se fazer presente na memória como um fantasma que vagueia e assusta na lembrança de todos. Ela necessita ser percebida, mesmo que na maneira mais cruel. E o vestido é seu passaporte para a dor que a mantém viva.

Drummond mostra em seus versos um conhecimento real sobre o assunto e evidencia o comportamento machista da época. Apresenta um quase pedido de desculpas pelos sofrimentos que poderia ter causado.

 

 

“......Chorei, chorei...  até ficar com dó de mim...”  Camarim-Chico Buarque.

“...logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro meus braços pra você...” Com açúcar e com afeto – Chico Buarque

Geni  11-05-2015