Primavera com gosto de infância

25-03-2014 15:52

Primavera com gosto de infância

 

O dia se espreguiça, acordando devagar. No terreiro, o balé das galinhas reverencia numa ruidosa algazarra o galo campina que, quando canta, muda de cor levantando a crista vermelha como fogo. A revoada de maritacas colore de verde-amarelo o azul anil do céu claro. Assim começa mais um espetáculo que a natureza apresenta todo dia, indiferente se há ou não público para aplaudir.

No quintal, o velho poço ainda fornece água para banhar a pequena horta. O sarilho geme enrolando a corda que traz a caçamba, sem pressa, num ritmo cadenciado, cantarolando enquanto faz seu trabalho. O calor, a luminosidade indireta e a constante umidade fazem brotar nas encostas dos barrancos as lindas avencas que se deliciam banhadas pelos respingos do vai e vem da caçamba.

As avencas são lindas, frágeis e de variadas espécies, admiradas como plantas ornamentais. As miudinhas são chamadas cabelo de anjo e carregam a fama de espantar mau-olhado. Outras são usadas na medicina como chás ou compressas.

Para mim elas representam a delicadeza e, a doçura, e me provocam uma sensação deliciosa, um fascínio que não consigo entender e, na impossibilidade de cultivá-las, pois o ambiente em que vivo não é propício (somente o lirismo de Chico consegue vê-las crescendo na caatinga) debruço-me na borda do poço para admirá-las.

Imagino a sensação que teria se pudesse tocá-las, acariciá-las como se Sininho fosse, mas me contento em observar minha imagem refletida no fundo do velho e cansado poço, sentindo em meu rosto no espelho d’água o respingar das gotinhas que elas me atiram balançando seus frágeis galhinhos. Divirto-me com as caretas provocadas pelas ondas formadas e ali me esqueço do tempo. Com o sol, alto volto à realidade com a certeza que na minha vida sempre será primavera.