Reportagem da Revista Exame - Novembro 2013

25-03-2014 15:58

Em São Caetano e Nova York os idosos têm vez

 

Mais cidades pelo mundo voltam as atenções para as pessoas acima de 60 anos. Não é só política social. O impacto aparece nas finanças públicas e na economia.

 
São Paulo - A paulista Ernestina Silvestre Conti retardou ao máximo a aposentadoria. Ela só conseguiu parar de dar aulas para crianças em uma escola municipal no ano passado, aos 65 anos – trabalhou sete a mais que a brasileira média. O motivo não foi necessidade de dinheiro, e sim o receio de ficar parada.
 

No primeiro ano da nova fase, porém, Ernestina viu que na cidade onde mora só fica em casa quem quer. Às segundas e quintas-feiras, ela faz capoeira, caratê e pilates. Às terças e quartas, ioga. Na sexta-feira, musculação e hidroginástica. A programação é oferecida pela prefeitura.

“Se eu morasse em qualquer outro lugar do país, não teria tudo isso perto de casa”, diz. Ernestina faz parte do grupo de 29 700 cidadãos acima de 60 anos que vivem em São Caetano do Sul, no ABC paulista, a melhor cidade brasileira para aposentados, segundo pesquisa feita para EXAME pela empresa de análise de dados Urban Systems. Foram analisados municípios a partir de 100 000 habitantes em aspectos econômicos, demográficos e de qualidade de vida.

Não é à toa que São Caetano do Sul está no topo. Por lá, a esperança de vida ao nascer é de 72 anos, a terceira melhor entre os municípios pesquisados. Na cidade, 90% dos ônibus estão adaptados para cadeirantes e 30% dos idosos vivem próximos a calçadas com rampas.

Essas pessoas têm acesso a atendimento psicológico individual e a hidroterapia. Tudo sem custo. Ernestina não gasta nem um real. E não que o lado financeiro seja problema, já que sua renda mensal supera 6 000 reais — na cidade, pela alta escolaridade, a renda dos idosos é 40% mais elevada do que a da média da população brasileira.

Em São Caetano do Sul, a preocupação com essas pessoas está na agenda há três décadas — são 116 idosos para cada 100 jovens, a maior proporção do Brasil. E o município colhe os frutos de suas políticas. Em 2011, as internações por doenças hipertensivas caíram para 9% dos idosos, ante 15% um ano antes.

As por doenças endócrinas e nutricionais passaram de 37% para 32%. “Investimos em prevenção para o idoso procurar menos os serviços de saúde”, diz o prefeito Paulo Pinheiro, médico que atendeu por 25 anos no município. A ideia faz sentido. Estudo da ONG Trust for America’s Health mostra que cada dólar investido em estímulo à atividade física de adultos traz economia de 5,6 dólares com serviços de saúde.

Cuidar dos idosos não é uma questão apenas social, mas econômica. A prefeitura da cidade do ABC investe 13 milhões de reais ao ano em iniciativas para essa população, que gasta 39 milhões por mês na economia local, segundo o instituto de pesquisas da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

O envelhecimento da população é uma preocupação latente das cidades. Até 2050, o mundo terá mais de 3 bilhões de pessoas acima de 50 anos. A maioria delas, 2 bilhões, viverá nos centros urbanos. Enquanto a discussão federal foca a previdência social e a saúde, nos governos municipais ela é mais abrangente.

“A responsabilidade das cidades está na infraestrutura e na inserção do idoso na comunidade”, diz Michele Gragnolati, líder para o setor de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial. Um programa da Organização Mundial da Saúde chamado Cidade Amiga do Idoso, iniciado com 33 prefeitos em 2006, já conta com 1 400 municípios adeptos.

Nessas cidades, a OMS incentiva a formação de grupos com a sociedade civil e as autoridades para ouvir os idosos e traçar planos de ação. Uma cidade que é amiga do idoso inclui essas pessoas na comunidade, instiga-as a ter boa saúde e aprendizado contínuo e garante a segurança. 

Nova York é referência mundial no tema. A cidade acaba de ganhar o prêmio da Federação Internacional do Envelhecimento por ter as melhores iniciativas para os idosos. Em 2009, a prefeitura lançou 60 medidas, no valor de 4 milhões de dólares, para melhorar a vida da turma com mais de 60 anos — que será um quinto da população da cidade em 2030.

O valor é ínfimo perto do orçamento de 68 bilhões de dólares da cidade. “As medidas que podem ser adotadas não são necessariamente caras”, diz Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade e criador do programa Cidade Amiga do Idoso.

Em Nova York, foram reservados horários para o público sênior em 14 piscinas. Semáforos de 100 cruzamentos de ruas importantes foram alterados para dar mais tempo à travessia dos pedestres. E 1 000 lojistas tornaram-se amigos dos idosos: permitem que descansem ou usem o banheiro. Qual a  vantagem? Atrair um potencial comprador. Outras cidades também avançam no tema.

Na capital da Suécia, Estocolmo, a prefeitura promove visitas a museus para quem tem doenças como Alzheimer. O país foi considerado o melhor lugar para morar após a aposentadoria num ranking divulgado pela primeira vez neste ano pela Organização das Nações Unidas.

São levados em conta itens como segurança da renda, solidez do sistema de previdência e acesso a transporte. Apesar dos avanços, a crise fez algumas cidades europeias dar um passo para trás.

Na Espanha, os orçamentos regionais para serviços sociais e de saúde foram cortados 10% em 2012, afetando os idosos. “Essas medidas aliviam as contas públicas no curto prazo e pioram a situação no futuro”, diz Kalache. É a verdadeira corrida contra o tempo.