Somos livres?

05-11-2015 15:05

Somos livres?

 

Antes de escrever sobre o tema proposto, procurei no dicionário o significado das palavras:

 

Liberdade – subst. Fem.: 1 Estado de pessoa livre e isenta de restrição externa ou coação física ou moral. 2 Poder de exercer livremente a sua vontade. 3 Condição de não ser sujeito, como indivíduo ou comunidade, a controle ou arbitrariedades políticas estrangeiras. 4 Condição do ser que não vive em cativeiro. 5 Condição de pessoa não sujeita a escravidão ou servidão. 6 Isenção de todas as restrições, exceto as prescritas pelos direitos legais de outrem. 7 Independência, autonomia e outras.

 

Liberdade de pensamento: direito do indivíduo de externar suas opiniões ou crenças.

 

Livre – Adjetivo de dois gêneros: 1 Que goza de liberdade pessoal, que não é sujeito a escravidão ou servidão. 2 Pertencente ou reservado aos que gozam de liberdade pessoal: Trabalho livre. 3 Que é caracterizado por, ou existe sob um regime de liberdade civil: Eleições livres. 4 Que não é proibido. 5 Espontâneo. 6 Que goza de liberdade política ou independência; independente: País livre; povo livre. 7 Não confinado ou preso; solto. 8 Absolvido: O acusado saiu livre. 9 Posto em liberdade; desalgemado, desagrilhoado, desacorrentado. 10 Que não ficou sujeito ao serviço militar: Saiu livre. 11 Desprendido. 12 Não sujeito a autoridade, controle, interferência, restrição, condições estorvantes etc.:

 

Livre arbítrio – substantivo: possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante; capacidade individual de autodeterminação.

 

[Ao pensar no tema, deparei-me com vários “sinais” apontando para a questão do ser livre e da liberdade, por exemplo, matérias de jornais, propagandas, imagens. A palavra para definir isso é sincronia]. Exemplo dessa sincronia podem ser expressos nos fragmentos de textos:

 

“Liberdade e libertação não são incompatíveis, mas, ao contrário, implicam-se mutuamente. É preciso haver garantia de direitos para que haja liberdade e é preciso haver espaços de liberdade para que a ‘institucionalização’ dos direitos seja constantemente revista e renovada”. Y. Frateschi

 

“A humanidade gosta de liberdade, certo? E se eu te disser que a humanidade, em sua grande maioria, também tem horror a ela? Está bem, vou argumentar. O que é liberdade? É um ativo, um bem, um patrimônio disponível para aplicação, como dinheiro para se gastar. Antes de você ter em que aplicar, ou em que gastar, o dinheiro não vale nada, é só um potencial, um número na conta, uns papéis no cofre. A liberdade também, ela é só um direito em suas mãos. Para virar felicidade, precisa que você conheça seu desejo para saber onde gastá-la (sim, perder uma parte dela, ou você acha que vai se casar e continuar tão livre quanto antes?). A felicidade é isso, conhecer o seu desejo e construir condições para realizá-lo. Depois de conhecer seu desejo, coisa que não é fácil, é preciso decidir sobre um monte de coisas que o farão viável. Seu desejo pode ser simples e bem aceito pelos outros. Ou não. Nesse caso, você vai ter que tomar decisões que contrariam os outros. Vai errar, vai se arrepender, vai sofrer, vai lutar, vai trabalhar muito para conseguir algumas coisas aqui e ali. E vai ter que suportar bem a solidão para poder ser livre, pois qualquer companhia tira um pouco sua liberdade”. F. Daudt

 

[A partir desse ponto, apresento o texto elaborado por mim, valendo-me da intertextualidade, citando excertos de Lya Luft na obra “Múltipla escolha”, chamarei de resenha sincrônica sobre o tema liberdade].

 

O ser humano é livre. Se essa frase for uma afirmação, ela será, sem dúvida, algo muito pessoal e variável. Se for um questionamento, se tornará um tema muito interessante para um debate. Porém, se significar um anseio universal do ser humano, uma utopia, sempre será assunto para profundas polêmicas filosóficas.

Escolherei a segunda hipótese: o ser humano é livre?

A origem do ser humano “é uma doce prisão onde não pensávamos em nada, tudo era resolvido por nós, não precisávamos de nos preocupar com comida nem abrigo, sem frio nem fome, sem trabalho nem dor: o ventre materno, nosso paraíso perdido, a terra do leite e mel, o colo ideal” (Daudt, 2015).

Ao nascer, o homem depara-se com uma realidade limitante: o tempo e o espaço o recebem com imposições inabaláveis. O espírito que anima seu corpo será obrigado a ocupar um espaço físico definido e o tempo será restrito à duração de uma vida. O relógio será implacável e seu mecanismo, independentemente de sua vontade, não para nunca!

O ser humano, como indivíduo, não poderá mudar seu destino biológico: nasce, cresce, compartilha o mundo com seus semelhantes e um dia deixa de existir. Seu espírito, contudo, possui a liberdade de escolha (o livre arbítrio) com a qual criará sua existência.

“A vida é um cenário com um palco e com muitas portas, sendo que existem diversas maneiras de encarar esse jogo: como um trajeto, um naufrágio, um poço, uma montanha. E somos, em parte, resultado das nossas próprias decisões. Nossa cultura nos ensina sobre alguns mitos enganosos, que, embora criados por nós, dificultam nossa tarefa existencial. Os homens criaram esses mitos para explicar o que não poderiam entender: a morte, desejo de eternidade e outros. Muitos desses mitos se transformaram na sociedade moderna, para abafar nossa angústia e disfarçar nossas futilidades”.

Um exemplo é a nossa suposta liberdade. Como animais sociais, os homens preferem viver em grandes centros urbanos, onde “moramos em edifícios e condomínios de luxo, os miseráveis morrendo de fome e frio, ou drogas, na noite das nossas ruas. Há muitas novas distrações lá fora, mas estamos encerrados atrás de altos muros, vigiados por câmeras de segurança, grades nas janelas. A violência nos torna prisioneiros em nossas casas”.

Nessa sociedade, vivemos vigiados e temos nossa privacidade invadida a todo momento: O olho do outro está grudado em mim e me sinto permanentemente avaliado, nem sempre aprovado: se eu não for como sugerem ou exigem meu grupo, família, sociedade, se não atender às propagandas, aos modelos e ideais sugeridos, serei considerado diferente. [...]: a pressão social é um fato inegável. Não controlada, ela nos anulará”.

Porém, o que mais nos afeta é sentir que, em nossa vida, pode haver uma falsa liberdade causada pela síndrome de TER DE... Essa manifestação, típica de nosso tempo, é contagiosa e difícil de curar porque se alimenta de nossa fragilidade e da força do espírito de rebanho que nos condiciona a seguir os outros.

Eu TENHO DE fazer o que se espera de mim. TENHO DE ambicionar esses bens, esse status, esse modo de viver, ou serei diferente e estarei de fora. O TER DE nos faz correr por aí com algemas nos tornozelos.

Com isso, teremos uma chance de não ficar de fora, embora abraçando a frustração e, com ela, a culpa. Dizem que devemos nos informar melhor, mas quanto mais informação, mais dúvidas, quanto mais abertura, mais opções, quanto mais olhamos, mais se expande a tela onde se projetam os nossos desejos, conforme considera Lya Luft.

Mesmo quando chega a velhice, “a sociedade nos cobra o ter de enganar o tempo: o mito da gloriosa juventude. Velhice é apenas outra fase da vida, mas, como se ela fosse algo estanque, um setor final, procuramos esquecer-nos dela no nosso baú de enganos, a chave guardada por algum duende que ri de nós. Nessa nossa cultura a velhice é antinatural, é quase uma enfermidade. A chegada da velhice não precisa enferrujar a alma. Porém, na maioria das vezes, essa visita nos sufoca e aprisiona o nosso espírito, que é mais importante do que rugas, manchas, andar lento e corpo encolhido”.

Nossa sociedade nos cobra um espírito jovem, e nos convence que nossas experiências de vida nada valem, “inventam para a velhice nomes às vezes ridículos, que reforçam a patética não aceitação da realidade. Em família, tendem a superproteger os idosos com excesso de cuidados, que os limitam ainda mais e lhes roubam uma possível autonomia”.

E, assim, de porta em porta chegamos à última, aquela que “não escolhemos e que, um dia, há de se abrir sem a nossa permissão, e que vai nos entregar à Senhora Morte, que, desde que nascemos, nos aguarda”. [...] Fatalidades à parte, somos senhores de algumas cenas do espetáculo chamado vida, podemos modificar algumas falas, interferir no roteiro, escolher o personagem que somos e com quem desejamos contracenar. Tudo isso, até certo ponto, pois as circunstâncias, a família de origem, as opções posteriores, até o lugar onde vivemos têm seu peso, e não é pequeno. Entre desgraça e audácia, andamos nesse fino arame das possibilidades que nos cabem, onde fomos colocados sem nenhuma preparação ao nascer. [...]. Longe de uma sociedade livre, somos, nessa nossa cultura impositiva tão cheia de obrigações, prisioneiros padecendo enredados em práticas opressoras. Escolher a prisão em que ficamos já é um luxo, me diz alguém. A frase tem um toque de amargor, mas nem sempre amarras são negativas: algumas nos prendem ao porto, nos servem de âncoras, compensam voos delirantes que não nos levariam a lugar algum. Se almejamos algum tipo de liberdade – seja lá o que isso signifique para cada um – é preciso arriscar, remover máscaras e escolher, com audácia, quais portas vamos abrir, quais vamos ignorar. Para sermos livres, é importante assumir as rédeas de nossas vidas, dentro de nossa sociedade e de nossa cultura”.